.

Sie sind wie Staub, der hält noch eine Weile,
Die Haare fallen schon auf ihren Wegen,
Sie springen, daß sie sterben, nun in Eile,
Und sind mit totem Haupt im Feld gelegen.

.

primavera e última

13/06/2010

.

No auge da nossa espécie,

a técnica boa das mulheres

engendrou receptáculos.

.

A própria vila neolítica

era um receptáculo redondo

semelhante às partes delas.

.

Ali, guardava-se o pouco

que até então não sobrara; comia-se

copulava-se, dançava-se

.

ao sagrado, no Neolítico.

Mantenedor. Repousado Neolítico.

RIP, primor social.

.

.
Da sombra que se alonga sobre o verde sobram dois

sóbrios bem verdes.

Ela em um,

seus braços largados e lentos são a cópia

do sorriso largado e lento. Eco

do canto de origem.
.

No outro a febre inócua de servir pedindo pulso.

Ser coroado

que especula,

corre da sombra que se alonga e logo d’Ela.

“E assim você sequer planta concertos,

sequer os colhe”.
.

Extraordinariamente incomuns, os verdes ébrios.

Verdes polígonos.

Dentro, círculos

de feraz perscrutação, de raios distintos.

E as placas de clamar já fazem fila:

entre: marmoraria.
.

A sombra que se alonga sobre o verde é fatalista.

Facciona lidas,

a fascista.

Pra detê-la, Noite. Seu grão-luz

móvel a dissipa, sombra que se alon

e a mescla em vida.

.

III

16/05/2010

Nietzsche thought democracy was “Christianity for the people” – Christianity deprived of the nobility of spirit of which Christ himself, and perhaps a few of the more strenuous saints, had been capable. Dewey thought of democracy as Christianity cleansed of the hieratic, exclusionist elements. Nietzsche thought those who believed in a traditional monotheistic God were foolish weaklings. Dewey thought of them as so spellbound by the work of one poet as to be unable to appreciate the work of others poets. Dewey thought that the sort of “aggressive atheism” on which Nieztsche prided himself is unnecessarily intolerant. It has, he said, “something in common with traditional supernaturalism.”

Trecho do ensaio Pragmatism as romantic polytheism, de Richard Rorty, exímio crítico literário, além de filho de trotskistas e catalogador precoce de orquídeas selvagens.

***

Indeciso se invejava ou desprezava Alyosha mesmo depois de decorar muito T. S. Eliot, Rorty acreditou, entre outras coisas, na confiança e na cooperação como as maiores habilidades humanas. Na pancadaria dos bullies como não-corretiva e no capitalismo grosso, concentrado, como inimigo do progresso.

***

Mais à frente, no mesmo ensaio:

But there is no such thing as the love of Truth. What has been called by that name is a mixture of the love of reaching intersubjective agreement, the love of gaining mastery over a recalcitrant set of data, the love of winning arguments, and the love of synthesizing little theories into big theories. It is never an objection to a religious belief that there is no evidence for it. The only possible objection to it can be that it intrudes an individual project into a social and cooperative project, and thereby offends against the teachings of On Liberty. Such intrusion is a betrayal of one’s responsabilities to cooperate with other human beings, not of one’s responsability to Truth or to Reason.

***

O Curto-circuito mental, quase uma gag, não deixa dúvida quanto à intenção maliciosa de Machado, que escolhia a dedo os lapsos e contrassensos obscurantistas que derrubariam – se não fossem passados por alto – o crédito de seu narrador suspeitoso, transformando-o em figura ficcional propriamente dita, que contracena com as demais e é tão questionável quanto elas. À maneira do estranhamento brechtiano, são pistas para que o leitor se emancipe da tutela narrativa, reforçada pela teia dos costumes e dos preconceitos sancionados. Se a campainha artística for ouvida, ele passa a ler com independência, quer dizer, por conta própria e a contrapelo, mobilizando todo o espírito crítico de que possa dispor, como cabe a um indivíduo moderno.

Trecho do ensaio Martinha versus Lucrécia, de Roberto Schwarz, que pode ser lido na serrote 4.

***

Uma menina disse que vai fazer um desenho para cada um da série sobre chuva, assim olharemos melhor ou orvalharemos melhor, não me lembro, era uma festa barulhenta e  estava escuro, e a bruxa cultural, solta.

A que tipo de lugar gostoso pode nos levar a discussão morreu/não morreu a fotografia se não ajudarmos, todos, na última pá de cal e no resgate urgente? Assim que abri um blog novo. Turismo & Plástica é o nome de trabalho.

III

01/05/2010

Levo minha mulher para tomar um vinho e lá pela segunda garrafa ela confessa que sim, sim, gosta dele ou dela sim e que, se pudesse, faria um bilhete endereçado aos chefes, assim, sem compromisso, sugerindo uma festiva reconciliação, imaginasse o chefe, afinal, se ele ou ela fosse seu filho etc, fora a vergonha, aí eu disse, Ai, mulher, você fala e pensa como uma maldita mulher, vamos embora. No fim foi bom, comemos pratos tradicionais e deixamos as novidades nas beiradas. O espírito do vinho bateu. Bateu! Amamo-nos deliciosamente na cama do nosso quarto, eu e minha mulher, e agora e aqui venho ao trabalho renovado. As palavras-chave da semana são palavras agrupadas chave, eu já sabia disso, já sabia! Bem antes de passar de sub-doravante Malcon para doravante Malcon eu corria, ah, só eu sei como eu corria porque queria a responsabilidade de usar palavras agrupadas chave. E aconteceu! A-ham, as palavras agrupadas chave da semana são olhar pela janela, fugir da vacina e devolvam o coraçãozinho da sereia!, nessa ordem, mesmo que nunca dê para eu saber quando e como usarei o quê com qual estilo onde. Saiba. Nessa labuta de sátira, ciência antiga sob nosso domínio, organizou-se artimanhas, falemos. Você aí, incógnito, fale também. Ele ou ela não perde por esperar! Hm!  Rá rá rá! [barulho de trovão] Ó… Diacho. Depois de ler e grifar tantos e tantos manuais de produção de coincidências, alguns até internacionais, ainda sou surpreendido por barulhos de trovão quando rio assim maldosamente dele ou dela. Como isso acontece? Como! Às vezes sinto essa saudade imbatível da minha mulher, às vezes o sentido da luta me confunde, às vezes aparece a pá do moinho soprando o vento e eu penso nela, em nossas conversas fiadas, “Saudade é uma palavra viva. É mesmo a palavra que dá vida a tudo que está morto. Palavra que faz ressurgir tudo o que já não existe. Palavra que traz para junto de nós tudo o que está longe […] “Minha terra tem uma índia morena/Toda enfeitada de pena,/Que anda caçando ao luar./Minha terra tem tambem uma palmeira,/Parece a rede maneira,/Ao vento a se embalançar.//Minha terra, que tem no céu a beleza,/Que tem do mar a tristeza,/Tem outra coisa tambem:/Minha terra, na sua simplicidade,/Tem a palavra saudade,/Que outras terras não tem.”” Tantos livros elementares! E ele ou ela me enganando ou perdendo tempo em suspense, ciência ficção, gêneros menores, subgêneros, recém-inventados gêneros, apostando demais nas ondas novas de desconfiança e nos trabalhadores autônomos, nos saquinhos de união sem slogan, quase me emocionei diversas vezes na vida, não posso negar, lendo livros que foram os livros que eu li. Agora vejamos, ele ou ela andou mudando os móveis de lugar, qual a trama dessa vez? Conosco era pra não haver surpresas! Ué, sumiram os folders. A água e as misturas já não correm pelos canos, estranho… Um stencil! [click] E esse arrepio que me perpassa, como explicá-lo!

ELE/ELA
Você entrou por onde?

MALCON
Oi! Sem educação!

ELE/ELA
Oi. Você entrou por onde?

MALCON
Não interessa!

ELA/ELA
Tudo bem. Eu já ia chegando.

MALCON
Quem!

ELE/ELA
Eu. Eu vou pra terra de onde a Lua vem pra onde eu vou de onde a Lua Lua.

MALCON
Lua!

ELE/ELA
A pálida em pessoa.

MALCON
Só essa mochilinha?

ELA/ELA
Só.

MALCON
Tá levando blusa!

ELE/ELA
Isso é palavra agrupada chave ou você está preocupado?

MALCON
A solidariedade vive em todos nós.

ELE/ELA
E isso?

MALCON
Quê?

ELE/ELA
Quer ficar com meu jornal? Já li.

MALCON
A manchete é vencedora?

ELE/ELA
Quer que eu releia?

MALCON
Quero.

ELE/ELA
No ataque, Prudência e Alegria seguem artilheiros.

MALCON
Quê! Linha fina, linha fina rápido.

ELE/ELA
Nas laterias, saem Poeta da Noite e Poeta do Pátio para entrada de Mitologia Grega.

MALCON
Não pode ser!

ELE/ELA
Está escrito, confirme.

MALCON
Nas laterais saempnfasdopadoiihhsmpso… Não!

ELE/ELA
Vamos falar de você, sub doravante Malcon.

MALCON
Eu!

ELE/ELA
Você.

MALCON
Fui promovido! Já sou doravante Malcon!

ELE/ELA
Parabéns, doravante Malcon. Adeus.

MALCON
Já vai? Espere! Você, você vai escrever?

ELE/ELA
Quê!

MALCON
Queria saber se você vai dar notícias da Ásia.

ELE/ELA
Não, Malcon.

MALCON
Você não pode fazer isso!

ELE/ELA
Por que essas perguntas, Malcon?

MALCON
Ainda dá tempo!

ELE/ELA
Do bonde?

MALCON
É!

ELE/ELA
Não falei.

MALCON
Quem falou!

ELE/ELA
Sabe um sonho que eu tive, doravante Malcon, anteontem?

MALCON
Sonho!

ELE/ELA
Era um muro esfarelando em loop e quem perdia o bonde era você, quem olhava pela janela sentando num cânone de empréstimo era você, quem fugia da vacina era você, quem praticava asneiras era você.

MALCON
Imagina! Fica! É, é, devolvam o…

ELE/ELA
Chegaram meus bilhetes, doravante. Diga oi para sua mulher.

MALCON
É que… Adeus!

FIM

II

17/04/2010

Vim parar uns dias na casa nem tão vazia de uns tios em Florianópolis, como sabemos. Além de uma boa biblioteca provisória tem um gato. Foi olhando esse gato bocejar e holisticamente se alongar que escrevi do desprezo pelo esforço que separa o gato do mês. Mas para nós seres não-gatos todo mês é mês, e dentro do mês somos como que um limite. Quando digo que todo mês é agosto, eu paro de ver o gato, dado que o gato é separado do mês e que agora eu falo justamente do mês, do qual o gato é separado, mês que seria sempre agosto no caso do poema, e que de acordo com António Damásio e tantos outros, e apesar de soar mais ou menos igual para todos, poderia despertar emoções várias em vários leitores. Li na internet que a poesia dá-se bem nesse encontro do leitor com o poema, nem antes nem depois, e que esse encontro estaria mais ligado ao som, e não querendo saber mais no momento, parei de ler. Agosto pode ser o mês das noivas para umas, do desgosto para outros, do seu aniversário, da comemoração de uma conquista, da estreia de um filme ou da inauguração de uma obra, e mesmo que um leitor não perceba totalmente o processo por que passa sua rede neural, seu agosto acabaria, cientificamente falando, diferente do agosto de um outro leitor, já que nos compõem enciclopédias contingentes. Por isso tudo o que lemos é assim, quase que deliciosamente, uma experiência única. Do verso ser verde como segue o poema e dali em diante até o condenado a esboço seria assunto demais para esse post, que trata de camisetas. Perguntei a um dos vizinhos o que queriam dizer as iniciais em sua camiseta. Ele explicou, enquanto me dava uma carona, e a conversa fluiu para os prédios que ninguém quer ver na ilha, com ou sem plano diretor cuja licitação venceu uma empresa argentina, atiçando os ânimos futebolísticos da cidade. Saltei perto da vendinha na beira de uma estrada, entrei e fiz uma compra de pão, granola e água. No dia anterior havia comprado um pote pequeno de mel silvestre. Em seguida passei por uma loja de skate. Agora pode ser que eu esteja confundindo o dia da vendinha, que foi o dia da carona, com o dia da loja de skate, ou misturando os dois num dia só. Mas foram dias diferentes, e nesse dia entrei na loja de skate segurando o pote de mel, loja que chama a atenção pelo grafite na fachada e por estar perto de lojas mais burocráticos como a farmácia e a papelaria, onde também fiz compras menores em dias bem anteriores. Na loja de skate passei os olhos pela arara de camisetas e uma, apenas uma, me chamou a atenção. Tirei o cabide da arara e trouxe a camiseta flutuando para dentro dos limites do meu corpo no espelho. Na ocasião eu vestia uma camisa que ornava mais com o ambiente da farmácia que com o da loja de skate, e provar a camiseta foi uma alívio. Provei e finalmente entendi o que me atraía, era uma espécie de poema escrito em dourado, e sem que eu tivesse notado na arara, agora ele saltava sobre mim, esse poema:

El mejor fabricante de
…….GRAVITY
………tablas

Não tinha preço, quase. Não devo voltar a comprar uma camiseta de marcas assim tão cedo, elas são mais caras e geralmente feitas em países longínquos e sabe-se lá a que preço, e eu prefiro as lisas ou só com desenhos ou estampas, e feitas o mais perto de casa possível, mas naquele momento a camiseta me pareceu imprescindível como uma obra de arte. Era como se eu comprasse a camiseta e levasse um poema estranho, numa forma estranha, e ao mesmo tempo prestigiasse e perfizesse uma cesta representativa do comércio local, junto da água, da granola, do pão e do mel, o que é de bom tom quando se visita um lugar qualquer. Mas o fato de eu cair de bunda numa rampa muito íngreme depois da chuva, sem skate, um ou dois dias antes de comprar a camiseta, poderia ter influenciado minha decisão de compra.
.

status IV

14/04/2010

.
summers pressing molds

and winters taking it

out the sighs, the sneezes,

the deodorant brands,

the olives and advices

it’s a super world not ?

and yes for fabrication, hands

in the direction of fingers

starting lighters,

four wheels and more

great fun

wish you all healthy starts

peace of mind, wife (if you the husband, on the contrary, invert)

a decent environment

how literatures and high whats, you know, for a change

well written political manifestos to go over

walking distances

and learned, learned lines

excellent night, you all,

Guilherme

.

.

.s p t o e e r m e a o

.

……….pcp

aoo…………....oio

……….um

mct……………enn

.

.

Eia, Peito-invernada

que obra em chuva granizo

acate este recado

de três cautos vizinhos:

“Peito-invernada amigo

que ora chove granizo,

nós e você inclusive,

de única, erma escada,

vivemos em subida;

se quinze ou se três mil

passos não distinguimos,

mas sim que o seu inverno

duro em pedra granizo

pega na escada e vira

fardo para os vizinhos —

pelo bem da subida

ou por amor à escada,

cogite acalentar-se.

Sem mais, subscrevemo-nos,

Ombro-destrambelhado

torto-Lombo-trincado

fosca-de-infância-Vista.”

.

II

07/04/2010

Acabamos a banana passa com sorvete e, hm, devo dizer que, m-hm, ele ou ela sabe, ainda que perdido(a), sabe; sabe mesmo preparar uma boa banana passa com sorvete guardado. E olhem só pra mim, sigo na cela dele ou dela já passada minha hora de voltar pra casa. O que mais me incomoda nessa juventude irremediavelmente sem rumo e sem critério que se entrega ao rum e à coca-cola é um não sei quê de pouco caso para com o Método Científico e para com a História Náutica. Sim, chega de alusões, vamos nomear as coisas! Eles tratam o Verdadeiro Marisco como a obra de um economista talentoso que só errou quando tentou fazer filosofia, e não como nossa super hiper doutrina que chegou para acabar com os folders; a História Náutica seria para eles ou elas só mais um tipo de literatura, e não o último dos últimos recursos para um safo marinheiro em apuros; e o Método de Queimar Folders seria só mais um desvio tão lamentável quanto superável na evolução moral da sociedade… Quer saber? Eu poderia enfileirar os malditos desaforos! Enfileirá-los daqui até minha casa, dar uma volta em minha mulher, ignorando seus filhos e gritos, voltar com eles, os desaforos, a essa pocilga de cela e aposto com você, a-pos-to com você que ainda encontraria mais, muito mais desaforos, e quem sabe outra daquela banana flambada com sorvete guardado, não sei, é só uma teoria, vejam, vejam se a idade me ensinou alguma coisa. Se a idade me ensinou alguma coisa não foi que as tortas unem forma e recheio de um jeito inseparável, isso nunca admitiremos; nem que a sobremesa constrói a ILUSÃO do círculo do poder, isso também nunca; muito menos que a boa pasta é feita de uma certa música e paixão, isso nem por um milhão de folders queimados. Irracionalidades puras, mania de perseguir sabor onde não existe. Método e História não estão aí para ocupar as caixas de ferramenta dessa juventude gay, ah não, mas não mesmo, isso não deixaremos que aconteça, avise o pessoal, essa juventude gay a perseguir veredinhas refratárias empunhando bandeirolas que nem olhando bem de perto ou penetrando em suas celas eu consigo entender, não, isso não, ah não. E depois eles ou elas ainda dizem que leram muito Borgas na infância, o traidor míope da labirintite, e que esse sim teria sido o grande trauma, ler Borgas. Essa é boa! Cáspita, minha mulher não me ligou até agora, quem sabe eu não consigo umas flores no caminho de volta, não preparo um… não levo ela pra jantar num desses lugares que botam pupunha nas coisas, acho que ela curtiria isso, ela gosta de novidade, no fundo, minha mulher, e eu gosto dela. Ai, diacho…

ELE/ELA
Sua mulher não te ligou até agora.

MALCON
Eu sei, estava pensando nela enquanto picotava um folder seu.

ELE/ELA
Vocês brigaram?

MALCON
Olha pra você! Nessa tela! Sem noção do ridículo!

ELE/ELA
Eu sei, eu sei, acabo de abrir esse mundo, desafios novos e alguns mistérios pela frente. Nem as resenhas falaram desse mundo. Ufs! Viu essa?

MALCON
Brega!

ELE/ELA
Pros tombos que tomava há alguns minutos, diria que já estou caindo com arte. Logo logo, flutuo.

MALCON
Nojo! Quero você longe dos meus filhos!

ELE/ELA
É colorido, mas às vezes vira treva.

MALCON
Porco!

ELE/ELA
Cara, leva sua mulher pra jantar. Pede um vinho, sei lá.

MALCON
Vinho?

ELA/ELA
É.

MALCON
É só pedir? Vê um vinho aí?

ELE/ELA
Só um segundinho… af, af, af, ahhhh. Consegui.

MALCON
Sem futuro!

ELE/ELA
Você faz relatório quando chega em casa?

MALCON
Relatório do quê? Ah! Cretino! Dessa visita!

ELE/ELA
Isso, dessa visita.

MALCON
Não interessa! Você perdeu o bonde!

ELE/ELA
Que bonde?

MALCON
Não interessa! Isso aqui é a vida real!

ELE/ELA
Eu sei. Pode ser fascinante. Você gosta de orquídeas?

MALCON
Gay!

ELE/ELA
Cara, se eu estiver te incomodando você me avisa?

MALCON
Cafona!

ELE/ELA
Sou mais sanfona.

MALCON
Você não faz nada! Nunca fez!

ELE/ELA
Sei de cor um soneto dedicado a Baruh Spinoza, quer ouvir?

MALCON
Não! Não! Que soneto?

ELE/ELA
Não sei se a pronúncia vai sair boa, mas como somos conhecidos, lá vai:

Bruma de oro, el occidente alumbra
la ventana. El asiduo manuscrito
aguarda, ya cargado de infinito.
Alguien construye a Dios en la penumbra.

Un hombre engendra a Dios. Es un judío
de tristes ojos y de piel cetrina;
lo lleva el tiempo como lleva el río
una hoja en el agua que declina.

No importa. El hechicero insiste y labra
a Dios con geometría delicada;
desde su enfermedad, desde su nada,

Sigue erigiendo a Dios con la palabra.
El más pródigo amor le fue otorgado,
el amor que no espera ser amado.

MALCON
Falcatrua! O que significa isso!

ELE/ELA
Não importa tanto, é mais a música.

MALCON
Burro!

ELE/ELA
Tem outro, dedicado ao mesmo Spinoza, do mesmo autor do anterior.

MALCON
Cego!

ELE/ELA
Quer ouvir?

MALCON
É! É! É! Hmnnrrm Gay!

ELE/ELA
Ok. Prometo que não falo mais sonetos, se te irrita tanto.

MALCON
Sujo!

ELE/ELA
Opa, não é seu celular vibrando?

MALCON
É! É! É!

ELE/ELA
Atende, homem.

MALCON
Ela vai estar puta! Passou da minha hora de voltar!

ELE/ELA
Coragem, homem, atende. Eu te ajudo.

MALCON
Mesmo!

ELE/ELA
Mesmo.

status III

04/04/2010

.
a paz de um gato

seu desprezo pelo esforço

separa o gato do mês

e todo mês é agosto
.

todo mês é agosto

e todo verso é verde

todo verso é verde

condenado a esboço

.

status II

01/04/2010

.

escritura insistente de ritmo monótono

canto chão alardeado em brasa e fumaça

dançante em sinais ágeis de trabalhador

ocupado entre dois tragos ele flutua

entre duas flat screens recauchutadas

tiremos férias meu amor vamos pra praia

vamos vacilar isso isso vacilar

perder o bonde carpintar a hashtag

que nos cura essa lira chatola de ritmo

sonífero de pulgas ou patê de fígado

de pato nas torradas light qrec! qrec!

meu amor esse é o tal mundo das pequenas

delícias e dos típicos desinformantes

que com claunes febris jogam bola na chuva

e somos nós contra nós mesmos meio juntos

batucando em nossos qwertys e fabricando

malentendidos sobre chuva e sobre sal

sobre carne e sobre fogo esquivo de vivo e

principalmente sobre você meu amor

e sobre mim principalmente sobre mim

e sobre você meu amor principalmente

.

sobrevida

30/03/2010

.

Nasço fundo em água escura,
os braços dentro da terra.
Articulação precária
de guai que nunca existiu.

Falo mudo e a onda muda
algas e peixes em pedras:
— Fantasma desnecessário!
— Incréu ajoelhado! Vil!

Alvo lúcido, anulo
pedradas em frente-verso
de folhas que levam árias
úteis de ouro em anil.

.

I

29/03/2010

A porta continuava no mesmo lugar, ainda que mais estreita e torta. Inclinei-me daquele jeito, recomendado, bati a cabeça e ralei o pescoço, com certa graça, entrando. Trazia onze vias para assinatura, palavras-chave da semana, bananas desidratadas, retratos e lenha. O corredor atrevessei ligeiro, devo dizer que aqui e ali parei, fechei os olhos para ouvir melhor o som das águas e misturas viajando nos canos. Já na janela da cela senti a essência que muitos levantaram como hipótese nos dias passados, essência de que tanto se falou nos dias passados e que até hoje, dia do meu turno, não passou de disse-que-disse, diz-que-me-diz, disque-disse, ou simplesmente disk-não-disse, mas o fato é que senti com meu nariz terreno e limpo e posso afirmar, prepondera um quê de lírio com piscina pública ou como que dois terços de cenoura e bronze para um terço de raiz forte, era mister ser mais preciso aqui, eu sei, mas foram estas minhas primeiras impressões, seguras, e espero contribuir para o Todo quando as torno públicas, cônscio de minhas limitações e humilde em minha presteza, eu, doravante Malcon. Ele ou ela dentro de seu banho renitente, um hábito decerto genoconstructo em sua linhagem anômala, onde já se viu? não sei, e como suas músicas não me interessassem, lancei-me a sua pilha de  folders de anúncio de produtos redimíveis por pontos do cartão de crédito para rabiscar ali provocações da minha cabeça ou simplesmente queimá-los. Devo ter, vamos dizer, me empolgado. Quando ele ou ela saiu do banho, imaginem o que ele ou ela viu: eu, muito pouco vestido, piruetando sobre um castelinho em labaredas de folders, verdadeiro caos no meio do quarto, digo cela. Ele ou ela com aquela arrogância genoconstructa reforçada pelo ambiente rarefeito em que cresceu passou como se nada de estranho se desse e, imaginem, vestiu-se, optando pelo conjuntinho cinza e roxo que tanto adoramos. Não resisti, bati um retrato.

MALCON
Olha.

ELE/ELA
Você viu minhas meias?

MALCON
Olha!

ELE/ELA
Tá, tá, você viu minhas meias?

MALCON
Não sou sua mãe! Como eram suas meias?

ELE/ELA
Amarelas, com padrão decorativo em preto, riscos diagonais em zigue-zague mais detalhes parafunilados nas beiradas.

MALCON
Você usa meias complicadas! É bem feito que sumam! Ó, sua porção de bananas desidratadas.

ELE/ELA
Obrigado, deixe ali, ao lado do ficus.

MALCON
É verdade que você conversa com essa plantinha feia?

ELE/ELA
Vou vestir meu tênis sem as meias, você acha que vai gerar muito comentário?

MALCON
Ninguém está nem aí para o jeito que você faz as coisas!

ELE/ELA
Certo. Uf! Uf! Caramba, meus pés cresceram.

MALCON
Tó, o que restou da lenha.

ELE/ELA
Só isso?

MALCON
Fiz uma fogueirinha!

ELE/ELA
Quê?

MALCON
Assine as onze vias. Uma, duas, três, tá, tem onze, tó.

ELE/ELA
E o que eles querem dessa vez?

MALCON
O de sempre. Engajamento. Ah! Você! Você anda brincando de fazer essência!

ELE/ELA
Estudando para o mestrado. Uf, assinei.

MALCON
Sabe como é, o pessoal, a fofoca…

ELE/ELA
Você diria que eu pareço menos languidão dentro desse moletom fofo?

MALCON
Ninguém quer saber como você fica!

ELE/ELA
Só pedi uma opinião, você veio até aqui. Uf! Ah, definitivamente menos languidão. Trouxe as palavras-chave da semana?

MALCON
Bananas desidratadas, retratos e lenha.

ELE/ELA
Estranho…

MALCON
O quê? Eu! Que que eu tenho de estranho! Olha pra você! Olha pra sua vida!

ELE/ELA
Chiu, fica quietinho um segundo…

MALCON
Arrogante!

ELE/ELA
Chiu… Pronto.

MALCON
Mas como!

ELE/ELA
O quê?

MALCON
Você fez um cálculo!

ELE/ELA
Sim, de certo modo fiz um cálculo.

MALCON
Alienígena!

ELE/ELA
Quer jogar um pouco de playstation?

MALCON
Eu tenho que trabalhar! Curtir minha família!

ELE/ELA
É bom, também. Achei que você estivesse com tempo livre.

MALCON
Nada! Você… Você perdeu o bonde!

ELE/ELA
Que bonde?

MALCON
Tá vendo! Tá vendo! Não temos lugar pra você! Sinto muito! Sinto muito!

ELE/ELA
Oi…

MALCON
É! É! É!

ELE/ELA
Cara… você… você tá batendo a testa e as pernas no canto do quarto.

MALCON
Olha pra você! Ah! Lembrei! Trouxe uns retratos. Olha aqui, olha que bunda!

ELE/ELA
Estou vendo.

MALCON
Olha essa!

ELE/ELA
Certo.

MALCON
Hm! Ó! Hm?

ELE/ELA
Massa.

MALCON
Hm?

ELE/ELA
Já vi.

MALCON
Hein! Hein! Ó, hm!

ELE/ELA
Já deve estar quase acabando, certo?

MALCON
Ói que hm, hm?

ELE/ELA
Vou pensar positivo para que a próxima seja a penúltima.

MALCON
Eita que hm, hein! A-ha! Ó!

ELE/ELA
E agora… a última.

MALCON
Ói qui, ói que, a última! Hm? Que tal?

ELE/ELA
Boa. Agora você já vai indo.

MALCON
Porco!

ELE/ELA
É que tenho que dar uma arrumada aqui pra… pra estudar pro doutorado.

MALCON
Era mestrado!

ELE/ELA
Certo, mestrado. De todo grado, preciso ajeitar tudo aqui. Você queimou alguns folders?

MALCON
Uns mais antigos.

ELE/ELA
Rabiscou alguma coisa neles?

MALCON
Sim.

ELE/ELA
Deixa ver, ração de bananas desidratadas, a lenha que sobrou, onze vias asssinadas, retratos. É. Acho que zeramos por hoje, e agora você vai indo, ou vai chegando, como dizemos no interior.

MALCON
Você perdeu o bonde!

ELE/ELA
Fiz uns poemas sobre música, quer ouvir?

MALCON
Não interessa! Que poemas?

ELE/ELA
Falta arredondar, mas como somos conhecidos vou mostrar:

poema sobre música I

Django

vio-

liii

mstrong Louis da

ye

nier Monk the

loon

MALCON
Outra vez, recite outra vez.

ELE/ELA
Tudo bem.

poema sobre música I

Django

vio-

liii

mstrong Louis da

ye

nier Monk the

loon

MALCON
Não está tão ruim.

ELE/ELA
Sério? Você gostou mesmo?

MALCON
Disse que não está tão ruim!

ELE/ELA
Já é alguma coisa. O que você acha de prepararmos as bananas desidratadas com um pouco do sorvete que tenho guardado?

MALCON
Não dá, tenho que ir. Tenho que… Demoraria quanto esse preparo?

ELE/ELA
Coisa de dez minutos. Eu flambo.

MALCON
Isso que sobrou de lenha dá?

ELE/ELA
Não esquenta, a gente dá um jeito.

.

.

Mamãe colecionava

saleiros entupidos;

as tardes abafadas

e ela a mirar nuvens.
.

Papai fantasma calmo

queria ver os filhos —

chegasse ou não esquinado

em quinas de labuta.
.

Os filhos e seus pais

em paz com seus três filhos;

a mãe prevendo água,

o pai capa de chuva.
.

Canção para explicar

(atendendo a pedidos)

o núcleo familiar

com seus traumas e tudo.

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status I

24/03/2010

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Firme no tempo,

dependurado olhando a rua de dentro

de um pedestre leve.

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c……o
h…….e
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……………i
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………….e . que
…..a

………..a
………….f.u.n.d.a

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Eram dois pingos de chuva em queda presos
à tal lei da circunstância Gravidade,
nove metros por segundo mais ou menos,
queda livre de mesmíssima vontade.

Cada pingo com futuro em si contido —
viessem fáceis ventos roucos contornáveis,
luzes fortes de ondas fracas no entendido,
tendas finas de tão finas transmeáveis

— que nos cores desses dois pingos em queda,
nada havia que não fosse a força Maga
da vontade de quedar em face mesma,

deslizar do centro à beira desta face
mode ser um pingo noutro assim juntado:
pingo comum; antes que a queda findasse.

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A casa tem calhas
caducas em malha
maior e maior.

Às vezes vem chuva
que bate na telha —
consequentemente

calha. Uma só casa
por teia margeada
de calhas caducas,

maior e maior.
Agora perguntas:
Por que não ter calhas

que nunca disjuntem,
entupam, caduquem;
por que tantas calhas?

Assim sempre foi:
se a calha é caduca,
perene é a malha

maior e maior
de calhas caducas;
eterna é a teia,

e a casa só uma.
Ou isso ou não sei:
melhor tantas calhas.

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Depois chovia, depois não:

no poste do condomínio,

na tática da matilha,

no meio do travesseiro

de Álvaro, Beto, Maria

e seu.
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Depois chovia, depois não:

na prática do barítono,

na margem do rio Cotia,

na fábula feita em Lego

por todas as mães do mundo,

em nós.

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